terça-feira, 26 de janeiro de 2010

No 75º Aniversário de Paula Rego


Comemora-se hoje o 75º aniversário de Paula Rego, aquela que é a mais conhecida artista viva portuguesa.
Em sua homenagem transcrevemos um texto de divulgação da Gulbenkian e reproduzimos algumas das suas obras.
Paula Rego foi ainda a autora do retrato oficial do ex-presidente Jorge Sampaio, que pode ser visto AQUI.
Recordamos que até ao próximo mês de Março pode ser visitada uma das suas mais completas exposições retrospectivas na Casa das Histórias em Cascais.

Paula REGO (1935)


“Pinto para dar uma face ao medo”, disse um dia uma das mais conceituadas pintoras do meio artístico britânico. Paula Figueiroa Rego nasceu em Lisboa, em 1935. Oriunda de uma família da alta burguesia, frequenta o colégio St Julian’s, no Estoril. Os professores cedo reconhecem o seu talento para a pintura e incentivam-na a prosseguir uma carreira que em Portugal estava destinada aos homens ou a jovens de sociedade, enquanto breve devaneio diletante, antes de se tornarem esposas e mães. O término dos estudos em Londres determinaria um outro futuro; aceite pela Slade School of Art (1952-1956), Paula Rego conhece o pintor Victor Willing, com quem vem a casar, e aprende a fazer “arte de adulto”, como chama à pintura de cavalete. Gestualista e espontânea, habituada a desenhar no chão, em contacto directo com os objectos da pintura, esta nova forma de criar afasta-a do seu universo infantil, das estadas na Ericeira em casa dos avós paternos, das histórias terríficas da tia Ludgera, das ilustrações do Blanco y Negro e do Pluma y Lapiz do avô, e dos livros ilustrados com gravuras do pai.

"A viver na Ericeira (1957-1962) após o nascimento da primeira filha, é numa ida a Londres, dois anos depois, que Paula Rego encontra Dubuffet e, com ele, a libertação. A Arte Bruta vinha justificar a sua necessidade de romper com o instituído e com a conformidade hipócrita que exalavam da ditadura de Salazar e da moral bafienta de uma religião com que não se identificava. A violência de Salazar Vomitando a Pátria (1960) encontra eco noutras obras deste período. Dentes, vómito, sangue, garras, excrementos e órgãos sexuais são lançados na tela num ímpeto feroz, apenas refreado pela técnica da colagem de fragmentos de jornal, inquietantes testemunhos de um presente compactuante com o estado das coisas. Cães Vadios (1965) é outra parábola à opressão da ditadura, esta baseada num artigo de jornal sobre o envenenamento de cães vadios em Barcelona. À falta de imagens impressas, Paula Rego desenha as figuras, que recorta, cola e repinta, num ritual de mutilação que não é alheio ao acto criativo.

"Os anos 60 são pontuados por exposições colectivas em Inglaterra e pela primeira individual em Portugal, na Galeria de Arte Moderna, nas Belas-Artes (1965-1966), onde é muito bem recebida pela crítica.
"Os anos 70 foram anos de consolidação e de mudança: ganha uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para fazer pesquisa sobre contos infantis (1975); figura com onze obras na exposição Arte Portuguesa desde 1910 (1978); dá-se a falência da empresa familiar e a venda da quinta da Ericeira (1979) e instala-se definitivamente em Londres com a família. As colagens dos anos 70 seriam as últimas. Paula Rego ansiava por voltar à pintura, mais livre, mais directa.

A morte do pai, em 1966, marcou um regresso ao desenho, que se assume em definitivo na série de acrílicos sobre papel O Macaco Vermelho (1981). O seu mundo intimista, de memórias infantis, inspirado em dados reais ou imaginários, mas sempre conscientes, é agora interpretado por figuras antropomórficas. O macaco, o leão e o urso, saídos de um teatro de criança de Vic Willing, interpretam as histórias que Paula Rego inventa ou recria. O quotidiano e os dramas humanos são aqui retratados com uma mestria que atinge o seu culminar na série de grande formato das óperas (1983) e no cinemático Muro dos Proles (1984), de mais de seis metros de comprimento, inspirado na obra literária de George Orwell. As histórias desfilam em sequências ordenadas, em que os referentes são mais ou menos óbvios e em que predominam uma sexualidade e uma agressividade perturbantes. Os personagens, saídos do catálogo da Disney ou de ilustrações de contos infantis, actuam como figuras de Bosh, dignos habitantes de um Inferno contemporâneo.

"A viragem radical dá-se com a série da menina e do cão. A figura feminina assume claramente a liderança na acção, enquanto o cão é subjugado e acarinhado. A menina faz de mãe, de amiga, de enfermeira e de amante, num jogo de sedução e de dominação que continua em obras posteriores. Sentimentos e papéis debatem-se num merry-go-round onde dominadores e dominados se confundem. Tecnicamente as figuras ganham volume, o espaço ganha solidez e autonomia, a perspectiva cenográfica está montada. Em 1987, Paula Rego assina com a galeria Marlborough Fine Art, o passo que faltava para a divulgação internacional.

"A morte de Vic nesse ano é assinalada em obras como O Cadete e a Irmã, A Partida, A Família ou A Dança, de 1988, em que o espectro da separação e a autonomia da mulher em relação ao elemento masculino estão presentes. A convite da National Gallery, em 1990, Paula Rego ocupa um ateliê no museu e pinta várias obras inspiradas na colecção. Tempo – Passado e Presente (1990-1991) conclui a série das despedidas, numa recriação feliz de momentos da infância, de referências aos clássicos e de vivências quotidianas.

"Em 1994, realiza a série de pinturas a pastel intitulada Mulher-Cão, que marca o início de um novo ciclo de mulheres fortemente simbólicas, representadas sozinhas, mas aparentemente escravizadas a algum parceiro ausente ou imaginário (Fiona Bradley, 1997). Esta espécie de regressão, do humano ao animal, tem paralelo na série do Aborto (1997-1999), crítica aberta ao referendo que em Portugal justificou a continuação da criminalização do aborto. Nesta série, a mulher é colocada numa situação de vulnerabilidade, sustentada por posturas menos dignas ou incómodas pelo significado que encerram. Não há alegoria ou parábola. A realidade invisível, apenas sugerida, é mais desconfortável do que a delação de situações sociais da série inspirada nos desenhos de Hogarth (Betrothal, 1999), ou do que a subversão de temas religiosos (série O Crime do Padre Amaro, 1997-1998; Marta, Maria e Madalena, 1999).

"Mães e filhas, passado e presente, crescimento e envelhecimento atravessam A Casa de Celestina (2000-2001), palco privilegiado onde desfilam as mulheres da vida de Paula Rego, as mulheres da nossa vida, num banquete em que o ar ausente dos actores garante que, ali naquele momento, se alimentam apenas de sonhos. Sonhos de quem não queria crescer.

por SANDRA SANTOS
(Centro de Arte Moderna José Azeredo Perdigão - Fundação Calouste Gulbenkian)

































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